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EXCERTO DO LIVRO "ATRACÇÃO PELA MORTE"

  • pedropocas-nazunia
  • 13 de out. de 2020
  • 9 min de leitura


1) SUICÍDIO – CERTO OU ERRADO?

O título deste primeiro capítulo é de certo modo uma brincadeira irónica, uma provocação ou um pretexto para clarificar o terreno onde me movo. A verdade é que este autor gosta de pairar além da dualidade. Quando estamos na rua ou nos cafés em discussão com amigos, a tendência é defendermos uma ideia como sendo a mais válida e isso dá azo a atritos onde não conseguimos perspectivar na altura os pontos de vista alheios... Porque nos interrompemos sistematicamente, porque somos demasiado agressivos ou porque o nosso ego, inconscientemente, nos estimula para vencer o debate. Isso é muito humano e estou convencido que todos nós temos um pouco disso em distintas escalas.


Em contrapartida, quando me envolvo sozinho no teclado do computador, nessa quietude introspectiva parece que me coloco num ponto neutro mais equilibrado e consigo escutar a imensa variedade de argumentos sem necessidade de contrapor nada. A questão é que todos têm a sua razão à sua própria maneira e todos os argumentos podem ser aproveitados e sintetizados para esclarecermos um pouco mais determinado problema; e nesse sentido, o Suicídio é um problema porque gera opiniões contraditórias. Mas o facto de algo gerar opiniões contraditórias não tem que ser encarado como uma coisa má. Aliás, é efectivamente o contrário – são as situações controversas que nos impulsionam a adquirir mais sabedoria. Por exemplo, temos “verdades” científicas ligadas à fisicalidade que não têm grande margem para discussão: todos concordarão certamente que a água dos oceanos é salgada, não é? Se nos aparecer alguém que diga que ela é doce, diremos que é impossível. Só um louco afirmaria tal absurdo; será? Não! Também neste território científico não existem verdades absolutas. Suponhamos que o tipo que alegue essa teoria seja oriundo de outro planeta, ou seja, tendo um organismo diferente, o seu paladar poderia obedecer a uma lei peculiar que contrastasse com o nosso... Portanto tudo é relativo.

Mas no que concerne ao Suicídio – um fenómeno comportamental – o campo de estudo oferece uma imensa diversidade de terrenos por desbravar. Eu disse que o título deste capítulo era uma brincadeira porque no prelúdio já tinha referido que não era minha tarefa entrar em discussões de “certos” ou “errados”. A situação é que, se o fizesse, basicamente não haveria condições para este documento ver a luz do dia. Daí ter dado este nome para começar com um desafio pertinente: ajudar o leitor a transcender a dualidade e compreender que de facto, num determinado plano, não existe essa coisa de “Certo”/“Errado”. Isso é apenas uma propensão da nossa mente fragmentada a tentar compartimentar ideias sob rótulos fixos. No entanto, em pleno contraste, a sabedoria não se rege por esse método. Ou melhor, a sabedoria, pela sua natureza flexível sempre em expansão e mutável, não pode seguir quaisquer espécies de métodos. O método científico tridimensional é com efeito, uma completa tragédia quando se isola da fluidez do Espírito.


Como se aperceberão no decurso destas narrativas, para filosofarmos acerca da morte, não poderemos estar imbuídos pelo tique mecânico da crítica castradora – em colocar a “Morte” numa gaveta onde está colado no exterior uma indicação a dizer que é “Mau” ou “Errado”; assim como também o “Suicídio” ou qualquer outro fenómeno similar. Se quisermos que verdadeiras obras literárias nasçam não podemos abortá-las com análises conclusivas. Logo, no meu modo de interpretar esta sociedade, percebo que as nossas instituições são precipitadamente abortivas. Significa que ao catalogarem ou condenarem o que quer que seja, estão acidentalmente a isolarem-se e a fecharem-se para o conhecimento que se pretende infinito; dizer portanto, que isto ou aquilo é “Errado” é o mesmo que trancar-se numa gruta, tapar os ouvidos, recusando ouvir argumentos contrários porque se acha que já se sabe tudo. Isso evidencia somente a arrogância retrógrada do nosso ego que simplesmente não compreende que nessa atitude está a travar a expansão da sabedoria, que se quer infinita, sempre em movimento ascendente.


Vamos então, para estabelecer uma conexão mais íntima com o objecto de estudo neste livro, atribuir-lhe os elementares conceitos dualistas. Quero esclarecer de modo simples o motivo de ter afirmado atrás, que este livro não existiria se o meu pensamento se orientasse num processo polarizado – portanto, nos moldes de “Certo” e “Errado”; raciocine comigo no seguinte exercício: imagine que foi ensinado por uma certa Religião que o “Suicídio” é uma conduta sempre errada – um pecado abominável aos olhos do Pai. Veja-se a ser persistentemente doutrinado ao longo de anos sempre com o mesmo ensinamento vincado onde nunca lhe é explicado as razões coerentemente... Apenas está escrito na Bíblia que é uma atitude condenável por Deus. Que o Homem em circunstância alguma poderá decidir sobre a própria vida – e que será severamente punido se o fizer. É ponto assente que a Igreja pouco mais acrescenta do que isto.

Agora considere o reverso – uma comunidade com outra abordagem dir-lhe-á em contraste: o reino material é uma aberração que devemos renegar a todo o custo. Sujeitar o corpo a dietas rígidas é bem visto como meio de purificar o corpo pecador; e ainda mediante certos contextos, um sacrifício em que se entrega a própria vida a Deus poderá ser perfeitamente aceitável. E o que dizer do caso de culturas religiosas em que se considera a vida maravilhosa no outro lado, onde existirão majestosos templos com comida em abundância e figuras angelicais esplendorosas prontificadas a satisfazer os apetites carnais humanos em orgias vitalícias? Há quem tenha este tipo de crenças! E para outros ainda, o acto de acabar com a vida é somente um sinal que a pessoa está cansada desta existência física e resolveu partir para um mundo mais próspero.

Estes exemplos antagónicos serviram para entendermos algo básico: que quando concebemos uma ideia como sendo a única que é acertada, estamos a fazer um género de declaração subliminar em que já sabemos tudo a respeito; faço-me entender? Quando afirmo categoricamente que o Suicídio é errado ou é correcto, não há muito a acrescentar. Cada adepto tem a sua teoria definida e alega um conjunto de razões básicas que são apoiadas em alguns princípios culturais e religiosos proclamados pelas instituições enraizadas. Todavia, se o indivíduo tiver a ousadia e o discernimento para a usar a sua própria mente em harmonia com as verdades que ressoam no seu coração, vai «pular a cerca» que o enclausurava nos velhos paradigmas e começar a questionar outras realidades desbravando novos caminhos. Por conseguinte, o que todo o indivíduo irá descobrir sem excepção quando reivindicar a sua singularidade, é a natureza intrínseca da dualidade – e nessa revelação irá constatar um aspecto paradoxal extremamente engraçado: o próprio conceito “Dualidade” apresenta em si um aspecto ambíguo de cariz espiritual; por um lado, temos a percepção terrena em que se entende que a dualidade é uma armadilha do ego para aprisionar o ser humano em conflitos e confusão que o tornam ignorante. Contudo, noutra esfera mais transcendental, afere-se audaciosamente que ela afinal representa um jogo inofensivo quando é entendida substancialmente. Ou seja, o perigo da dualidade apenas surge quando nos envolvemos excessivamente nela, esquecendo o seu real propósito educativo. E nesse parâmetro a dualidade ganha um significado mais amplo porque passa a estar associada ao «projecto» divino – e não contra ele.

Isto é basicamente para percebemos que, embora o indivíduo lúcido se coloque numa posição neutra central, contemplando as posições extremas ou simplesmente as que estão de acordo com uma natureza dual, ele não vai condenar a dualidade. Ele é conhecedor do seu papel ambivalente, como acabei de realçar, e respeita-a na sua dimensão total. No entanto, curiosamente, quem acaba por desrespeitar a natureza da dualidade são precisamente aqueles que se identificam com esta cegamente, exortando um dos lados em desprimor do outro.


Assim sendo, vamos lançar novamente a pergunta: o suicídio é certo ou errado? Evidentemente que na minha visão não é uma coisa nem outra, senão nem teria pretensões de escrever um livro sobre o assunto; com base numa resposta dualista analítica não haveria muito espaço para navegar. Se fosse por exemplo apologista do “Errado” lançaria dois ou três argumentos para defender a minha tese e não poderia filosofar em torno. Só filosofa portanto quem é livre. Se estou condicionado por uma moral apertada que me obriga a pensar dentro de determinados parâmetros preconcebidos, jamais estarei em condições sequer de participar num debate saudável; há imensos debates neuróticos na nossa sociedade porque as pessoas não são livres. Defendem-se com unhas e dentes para preservar o seu reduzido conhecimento como se da verdade mais sagrada se tratasse. Atente que um defensor do “Suicídio sempre errado” não tem capacidades de dialogar com uma pessoa livre porque ele está tão ocupado em condenar o Suicídio em si que a mente dele não se abre para contemplar outras vertentes relacionadas com o fenómeno. Significa que por um lado, o detractor acérrimo evidencia raiva do Suicídio. Tomou a situação como uma questão pessoal e sente necessidade de atacar todos os actos suicidas como se fossem atentados contra a sua própria integridade moral; aquele que julga está assim, cativo da dualidade. O seu lado é o correcto, enquanto o outro é perverso, amoral. Para ele a vida é sempre boa e a morte sempre errada. Nessa lógica ele também atacará com «paus e pedras», não só os suicidas, mas igualmente aqueles que os respeitem ou que até possam ser condescendentes com as suas decisões.

Já me aconteceu por diversas vezes ter de interromper conversas com vários sujeitos por causa dessa afiliação obsessiva dualista que me agride. Essas pessoas gostam muito de expor as suas ideias entusiasticamente, mas no fundo estão ansiosas em arranjar parceiros para a sua equipa. Assim que queremos partilhar um pensamento diferente do seu, olham-nos de lado e começam a ser hostis. Isso é um indício claro que se encontram reféns da caixa do dogma. Acomodados na sua verdade estática, insolentemente, como se já tivessem alcançado o topo há muito – e é precisamente essa atitude lamentável que revela que de facto nem subiram ainda o primeiro degrau.

Então, com base neste primeiro artigo, apelaria gentilmente aos leitores que durante a leitura deste livro tentassem se abster do espírito crítico precipitado. Porque sinceramente, este autor não será um alvo fácil para esses intentos. É que para se ser criticado tem-se que ter uma opinião rígida/estática sobre algo. E eu não tenho vocação para me agarrar ou deixar embalsamar em teorias fechadas; sou flexível em relação a todo o género de temáticas e não será diferente neste ensaio sobre a “Atracção pela morte”. Daí ter também começado por esclarecer nestes parágrafos preliminares o meu distanciamento total dos territórios austeros da Dualidade que muitos apreciam para poderem simplificar. Não me dedico à escrita para simplificar nem para complicar, mas entendo que existe imensa matéria para explorarmos e muitas distracções que nos impedem de empreender essa busca autónoma... Não obstante, tenho forçosamente de confessar que tenho mesmo uma forte aversão aos opostos “Certo” e “Errado” porque entendo que eles são uma barreira compacta que dificulta e restringe o acesso à nossa sabedoria. Se duvida disso, pense em qualquer tema controverso que divida as opiniões e avalie a quantidade de energia e tempo que se gasta a tentar-se levar a água cada um ao seu moinho, a tentar-se provar quem tem mais razão ou quem apresenta os melhores argumentos. E na maior parte das vezes nesses interregnos onde todos se gladiam, nada de produtivo é realizado em prole do nosso bem-estar e desenvolvimento – por outras palavras: a Humanidade não conhece hoje o verdadeiro progresso porque já passou séculos a desperdiçar energia em futilidades quase sempre relacionadas com o envolvimento exagerado no paradigma eterno do “Certo” ou “Errado”. Por isso esqueçam pelo menos esses conceitos relativamente ao fenómeno do Suicídio, Agora! E embrenhem-se como crianças virgens no território deste escriba sem lei.

... Um último ponto a reter: parece quase surreal mas as pessoas na generalidade encontram-se de tal modo absortas na mania feroz de catalogar os temas nesses critérios que entorpecem as suas mentes impedindo-as de acessar a outros domínios mais férteis. Por “domínios mais férteis” refiro-me concretamente em trocar esses termos assertivos por um outro termo tão inocente quanto sábio – o elementar “Porquê”. Ou seja, voltarmos a ser humildes como quando éramos crianças para reaprendermos o genuíno significado do “Porquê”. Usar o “Porquê” revela pureza, humildade e uma tremenda sede de respostas. Mas o adulto não o vê assim. Na sua altivez e pavor de ser humilhado interpreta o “Porquê” como um sintoma de burrice, então finge que sabe para não passar por idiota. No entanto é precisamente nesse comportamento dissimulado que está a idiotice. O adulto em vez de ser honesto e questionar naturalmente as complexidades da vida, arma-se em espertalhão servindo-se de vários artifícios para camuflar a sua natureza leiga ou preguiçosa, onde um deles é exactamente este que estou a tratar neste capítulo: a necessidade de recorrer a palavras concordantes ou discordantes como o “Certo” e o “Errado” – quer dizer que num determinado nível os adultos aplicam indiscriminadamente esses juízos de valor como uma tentativa de ocultarem a sua ignorância... De qualquer forma, penso que estamos agora capacitados para transcender conscientemente a dualidade e voltarmos analogicamente aos nossos tempos de infância inocente para resgatar a essência do “Porquê”.


Com efeito, só para exemplificar, num assunto tão polémico como é o do aborto, ao invés de afirmarmos apressadamente que “sim” ou que “não” sem sequer o aprofundarmos, é perguntar antes: “Porque é que tantas mulheres resolvem não ter os seus bebés nos tempos actuais?” Ou no caso do nosso estudo: “Porque é que tantas pessoas desejam morrer?”. Se reflectirmos um pouco veremos que são estas as questões essenciais que nos obrigam a usar os neurónios e que nos arrancam da posição de letargia colectiva para uma área neutra onde teremos que apelar ao nosso saber intuitivo para encontrar as respostas mais coerentes. E mais... Descobriremos também maravilhosamente que quanto mais “porquês” colocarmos a nós mesmos, que quanto mais aprofundarmos as nossas questões e dilemas, menos necessidade teremos de recorrer a juízos de valor tão restritos e supérfluos para caracterizar os comportamentos humanos que nos espantam.

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